Enquanto o sol nasce o morre no mundo lá fora, secando o ar e nossas represas, o paulistano segue trancado em seu escritório, trabalhando loucamente e travando brigas pelas redes sociais. Aliás, a última grande discussão ultrapassa em muito o universo virtual. O que sacode o ânimos bandeirantes são as ciclofaixas que tingem de vermelho o panorama cinza da metrópole.
E junto com a nova via, surge um terrível personagem, assustando as criancinhas e assombrando as pessoas de bem, o Monstro Paulistano!
Bom, São Paulo já teve muitos monstros: O Bandido da Luz Vermelha, o Maníaco do Parque, Paulo Maluf… Porém, o monstro atual parece ainda mais ameaçador, principalmente por estar encarnado em milhares, quiça milhões de cidadãos. Trata-se do Monstro-que-não-gosta-de-bicicleta.
Ele mesmo, aquele que chora pela sua vaga de estacionamento, que opta por passar horas no trânsito com seu carro parado, aquele que polui o ar, toca a buzina e atravessa os faróis amarelos, o Monstro Paulistano.
Não há como contestar a bicicleta, não é mesmo? Não polui, não faz barulho, não queima combustíveis fósseis, ocupa menos espaço que os carros. Se um milhão de paulistanos começarem a pedalar haverá um enorme ganho na qualidade de vida da cidade.
Então por que o monstro surgiu? Porque ele brada fortemente contra algo tão óbvio? Fiz um exercício de elucubração para responder a essas e outras perguntas, no maior estilo Globo Repórter (por favor imagine o próximo parágrafo na voz do Sérgio Chapelin):
Quem é o Monstro Paulistano? Onde vive? Como se reproduz? Quanto paga de IPVA?
Bom, aqui estão alguns dos Monstros Paulistanos que minha imaginação conseguiu catalogar:
O Monstro Anti-petista
Os Brasileiros e por consequência, os paulistanos são divididos basicamente entre Petistas e anti-petistas. Como o projeto das ciclofaixas veio de um político do PT, a crítica existe e existiria seja lá qual fosse o projeto.
O Monstro Conservador
Por ser conservador, ele é contra mudanças e a ciclofaixa é uma mudança. Sem mais explicações.
O Monstro que ama carros
Esse é daqueles que usa o carro até para comprar cigarro na esquina. Jamais usaria transporte público. Por outro lado acha um luxo andar no Metrô de Paris.
O Monstro que trabalha longe
Embora nem todos saibam, há paulistanos que moram muito longe da Vila Madalena e de Pinheiros. Esse monstro se recusa a usar sua bicicleta para percorrer os 40Km de São Miguel Paulista até o Brooklin.
O Monstro que não pode chegar transpirando ao trabalho
Muitos monstros trabalham em lugares em que a bermuda e o sapatênis ou o vestidinho florido com keds não são aceitos. Eles são obrigados a usar ternos e sapatos de salto alto e precisam estar bem vestidos. Chegar transpirando nestes ambientes de trabalho não é bem visto.
O Monstro que não sabe andar de bicicleta
Não preciso explicar este
O Monstro sem Preparo Físico
Muitos Monstros já tem idade avançada, problemas de saúde ou até mesmo falta de preparo. São Paulo é uma cidade grande e cheia de ladeiras, nem todos conseguem usar as bicicletas.
O Monstro que leva coisas no carro
Muitos monstros usam os carros para transportar pessoas, objetos, pastas, malas. Há muitas profissões que obrigam o sujeito a estar com o carro sempre carregado de mostras de produtos, ferramentas e etc. Estes monstros também não podem andar de bibicleta.
O Monstro que mora no apartamento sem vaga de garagem
Esse é muito encontrado em Higienópolis e Santa Cecília. Morando em um prédio velho, ele está acostumado a parar o carro na rua onde vagas são raras e estacionamentos caríssimos. Esse monstro, que em muitos casos já é mais idoso, sabe que terá muitos problemas.
O Monstro da Lojinha
Muito comerciantes sabem que a falta de vagas as ruas prejudicará os seus clientes que vem de carro fazer compras. Eles alegam que suas vendas sofrerão impacto negativo.
Foram esses os que consegui levantar. Podem haver mais. Relendo a lista, não acho acho que todos sejam tão monstruosos assim. Chego até a sentir compaixão por alguns deles que sem dúvida, serão prejudicados.
O prefeito está realizando uma promessa de campanha. Isso por si só já é bastante louvável. Ele prometeu ciclofaixas, ganhou as eleições e tem o dever de entregá-las. Se o paulistano não gostou, pode votar naqueles que certamente prometerão restaurar as vagas de estacionamento nas próximas eleições. Assim funciona a democracia.
Enquanto isso, vamos observar o resultado da experiência. Se muitos trocarem seus carros por bicicletas, será bom para todos. Isso pode até aliviar o trânsito e a lotação dos coletivos.
Mas peço um pouco de paciência com os “Monstros” que no final das contas, são paulistanos também. Aliás, ultimamente, paciência e respeito pela opinião alheia andam mais raros que faixas para carros. Ou bicicletas.