A vida é curta. Nosso tempo e nossas posses são limitadas.
Em outras palavras, se você não é o Luciano Huck nem o Richard Branson, muitas coisas que sonhava em fazer não serão feitas. Muitos lugares que você sonha em conhecer só serão vistos no Discovery Channel.
Algumas pessoas escrevem uma lista de coisas a fazer ou lugares a visitar antes de morrer. Os americanos tem até um nome para isso: Bucket List (lista do balde). A expressão “chutar o balde” em inglês é a equivalente da nossa “abotoar o paletó”. Portanto, é a lista de coisas a fazer antes de abotoar o paletó*.
*Se os mais novos não souberem o que significa “abotoar o paletó” eu explico: É o mesmo que “Comer capim pela raiz”, “ir dessa para melhor” e “bater as botas”. Sacou?
Eu sempre me recusei a fazer essa lista pelo medo de não cumpri-la decentemente. Já imaginou chegar aos 90 anos e encontrar a velha caixa de sapatos onde estarão guardados o time de futebol de botão da infância, fotos proibidas do carnaval de 92 e o autógrafo do Rogério Ceni? E ao vasculhar seu conteúdo encontrar também numa folha amarelada uma lista de tarefas não cumpridas? Uma lista de lugares não visitados? Já consigo me ver sentado na cama com o olhar perdido de quem jogou a vida fora.
Uma das saídas é fazer uma lista mais modesta que inclua conhecer Buenos Aires, visitar o Hoppi Hari e fazer um gol de canhota. Mas daí também não tem graça.
Então resolvi fazer a lista ao contrário, colocando coisas incríveis que já aconteceram na minha vida e que vão encher de orgulho o velhinho de 90 anos.
Tipo assim:
_ Comi a Buchada do Gago em Garanhuns
_ Tomei cerveja dentro do rio Tocantins em Marabá (dentro mesmo, a cadeira e a mesa na água).
_ Ter visto o Renato Russo e o Raul Seixas ao vivo e de perto (sim, eu podia gritar toca Legião e toca Raul a vontade para eles).
_ Escalei o Agulhas Negras e me perdi na Reserva de Itatiaia na volta (alpinistas mais experientes podem desprezar essa, porém para este ser urbano foi uma baita aventura).
_ Ter trocado ideia com o Malcolm McLaren. Achei ele babaca, ainda assim era o Malcolm Mclaren.
_ Ter visto Stones, Paul Mccartney, Page and Plant, AC/DC, CY&N e ZZTop.
_ Acho que vi todas as obras de arte que um dia sonhei ver. Só falta O Beijo, do Gustav Klimt.
_ Assisti a muitos filmes do Frank Capra, Douglas Sirk, Elia Kazan, John Ford, Billy Wilder e Federico Fellini. Alguns ainda em salas de cinema. Prazer que a minha geração, em geral não conheceu.
_ Eu assisti a Noviça Rebelde numa sessão ao ar livre, sentado num gramado em Nova Iorque, com o público cantando alto cada canção.
_ Eu vi o sol se por no mar e não apenas uma vez.
_ Eu vi o sol se por no mar em Jeriquaquara, do alto da duna, logo depois de uma chuva e havia três arco-íris no céu.
_ Plantei uma árvore, escrevi um livro e tive uma filha.
_ Recebi um bilhete de uma criança desconhecida elogiando meu livro.
_Toquei em inúmeros shows, alguns lugares lotados. Vi, de cima do palco, gente dançando e cantando feliz enquanto eu tocava.
_ Algumas vezes briguei no trabalho, arriscando meu emprego na época, simplesmente porque precisei seguir o meu senso moral. Disso tenho grande orgulho.
_ Sempre que vejo gente furando fila eu arranjo confusão. Já fiz isso com italianas, ingleses e sem muita delicadeza. Não sei se é motivo de orgulho mas isso me dá um prazer danado.
Gostei dessa lista. Acho que vou mantê-la ao alcance para incluir as coisas que lembrar daqui prá frente. Não vou escrever a lista de coisas a fazer. Prefiro ficar atento ao senso de urgência da vida e ainda mais atento as coisas boas que nos acontecem. Pior do que não ter o que colocar na lista do balde é viver coisas especiais e não atribuir o devido valor a elas. Com certeza há muito do que se orgulhar da sua vida se você não ficar pensando que só será alguém especial no dia em que subir o Monte Everest ou levar a Scarlett Johansson para jantar.
Também não vou sair por ai com o adesivo: “Não tenho tudo o que amo mas amo tudo o que tenho”. Auto-indulgência tem limite.
Só sugiro que prestemos atenção nas coisas realmente importantes e que farão falta ao velhinho sentado na beira da cama. Aposto que se lembrará muitos mais de um beijo do que do melhor prato do melhor restaurante, aquele que você postou no Instagram, lembra?
Reflexão versus valorização de tudo o que, realmente, é o mais importante em nossas vidas.
Excelente texto.
Parabéns !
Que bom que gostou. Obrigado.