Estava quase dando férias ao “Toda Unanimidade” quando tive uma ideia: Vou escrever um pouco sobre cada livro que terminar. Não tenho pretensões nem capacidade para a crítica literária, faço isso porque escrevendo prolongo o prazer e a reflexão trazidos pelo livro e ao mesmo tempo, de forma elegante e discreta, faço um pouco de apologia ao ato de ler.
Ontem terminei o “Caderno Vermelho” de Paul Auster (Cia das Letras). Paul Auster conta pequenas estórias vividas por ele ou alguém de seu círculo de amizades em que aconteceram incríveis coincidências. Como o caso do curador de uma exposição de Matisse que procurou um quadro por seis meses até descobrir que a obra estava em um dos quartos do hotel onde morava.
Embora Paul Auster não se arrisque a filosofar sobre o significado destas coincidências, estes relatos que nos fazem pensar na existência de um plano superior onde nossas vidas estariam encaixadas, discussão também muito comum nos filmes do Woody Allen.
Pensando nessas coincidências, vasculhei por situações assim em minha vida e lembrei de uma história do meu tio-avô, Issac. No começo dos anos 50 ele tinha 19 anos e o Estado de Israel acabara de ser criado. Ele leu “Ladrões na noite”, de Arthur Koestler, que narrava a saga dos pioneiros que fundaram os primeiros Kibutzim, antes mesmo da independência de Israel. Ao ler o livro meu tio se inspirou e migrou para o jovem país, ingressando no exército onde chegou a ser tenente.
Alguns anos depois, quando cruzava uma estrada sentado em cima de um caminhão (ele não lembra de detalhes da história), o veículo capotou e ele ficou a beira da morte com uma grave amnésia. A família no Brasil não tinha notícias dele e minha bisavó foi obrigada a penhorar sua casa para comprar uma passagem de navio e procurá-lo em Israel.
É uma história bastante impressionante: O acidente que quase o matou, o tempo que ficou internado em um “hospital de loucos”, o desespero da família que não conseguia contatá-lo, a memória que ia e voltava e a saga da minha bisavó para tentar encontrá-lo em um país distante.
Depois de curado, meu tio decidiu voltar para o Brasil onde casou e seguiu sua vida. Ele me contou essa história em 2006 quando eu fiz um pequeno documentário com a história da família.
Inspirado por ele comprei o “Ladrões na noite” e eis a frase que abre o livro: “Se tiver que morrer hoje não será caindo do alto de um caminhão”.