Dona Nenê acordou com a luz discreta que fazia brilhar o entorno da cortina do quarto. Sentia-se leve e jovem, nem a eterna dor nas costas a incomodava. Porém, ao tentar mover o corpo percebeu que nenhuma parte obedecia. Assustada, tentou chamar o marido, seu Gaspar, mas a voz também não saía.
Fez um enorme esforço e conseguiu se levantar. Mas para sua surpresa, ao olhar para a cama, viu que ainda estava lá, inerte, ao lado do marido. Novamente quis gritar e a voz não saiu. Ficou parada, olhando para o casal deitado, ouvindo o ronco suave do Gaspar.
Quando se casaram, há quase cinquenta anos, teve dificuldades para dormir devido aos ruídos que o Gaspar fazia, mas foi se acostumando e agora precisava desse som todas as noites, era a sua segurança.
Quando Gaspar acordou, chacoalhou o corpo ao seu lado e o abraçou enquanto chorava em desespero. Foi aí que Dona Nenê percebeu que estava morta.
Ela contemplou com candura a cena que envolvia seu marido. Estava comovida com a tristeza dele, era bonito ver tamanho amor.
De repente, a casa foi ficando cada vez mais clara. Era uma luz tão forte que não se podia distinguir mais os móveis e objetos. Tudo virou um imenso branco e um homem feito de luz surgiu.
_ Vamos Nenê. Chegou a hora de você subir.
_ Eu morri?
_ Digamos que você venceu uma etapa. Sua jornada continuará em outra dimensão.
_ É como se eu tivesse passado de fase no Candy Crush?
A entidade não entendeu a pergunta. Dona Nenê continuou.
_ Mas e as coisas que eu tinha, as pessoas…
_ Tudo ficará pra trás. Vamos seguir um novo caminho.
_ E não tem como ver meu Facebook?
A entidade novamente ficava confusa.
_ Meu Facebook. Vai ter um monte de gente falando de mim. Eu quero ler as homenagens.
_ No lugar onde a gente vai, nada disso será importante.
_ Moço, como não é importante? É onde minhas filhas colocam as fotos, eu vejo as viagens das amigas. Hoje vão falar de mim o dia inteiro. Vai ter um monte de textos emocionantes.
_ Dona Nenê, a senhora está apegada.
_ Eu queria tanto levar meu celular…
Os apelos eram inúteis, a própria entidade havia desaparecido e do alto surgia um túnel de luz multicolorida sugando dona Nenê que começava a se misturar à energia do universo. Em seu último esforço humano, ela ainda balbuciou:
_ E a minha cidadezinha do CityVille, tava tão bonita…