Terminei o segundo livro do Harry Potter, A Câmara Secreta. Sei que não parece algo extraordário, a maioria das pessoas fez isso há muito tempo. Porém, esse foi um fato marcante para mim.
Até uns 4 ou 5 anos atrás eu inventava histórias diariamente para minha filha dormir. Era um desafio, ela era exigente. Eu espremia a cachola para botar ideias para fora.
Um dia, para facilitar a minha vida e porque ela já estava ficando grandinha, comecei a ler o primeiro Harry Potter. Minha filha dorme em casa de 4 a 6 dias por mês e muitas vezes ela está cansada e pega no sono logo que deita. Assim, eu levei anos para ler dois livros da saga e terminei neste final de semana.
Foram inúmeras noites repetindo o ritual e me embrenhando nas aventuras do bruxinho enquanto via minha filha crescer. No fim, ela já estava com 11 anos. Não é idade para ouvir histórias na cama, mas decidimos juntos ir até o fim deste e encerrar essa etapa da nossa relação.
Ao ler a última página percebi que virava também uma página da minha vida. Que abandonaria esse hábito como já abandonei muitas coisas que amava fazer.
– Nunca mais troquei uma fralda sem me me importar com o cheiro azedo.
– Nunca mais peguei minha filha no colo e a senti leve como um esquilo e nunca mais senti medo de tocar na moleira macia.
– Voltando ainda mais no tempo, nunca mais joguei futebol com os amigos num certo campo em São Bernardo que era nada e tudo ao mesmo tempo.
– Nunca mais sentei num banco de colégio acreditando que o futuro estava a minha frente e que eu poderia ser tudo o que quisesse.
– Nunca mais beijei meu avô.
Agora é a vez de, nessa eterna sucessão de abandonos, deixar para trás Hogwarts e as vozes que inventei para cada personagem. Minha filha vai terminar a saga lendo em silêncio como é mais adequado para sua idade.
Adeus Harry Porter, obrigado por estar ao meu lado nestas noites tão felizes. Só espero que a voz que criei para você sobreviva na cabeça da Esther e que ela ressoe ainda que em pensamento, nos feitiços e magias da adolescência.