Sempre fui fã de “Vaca profana” do Caetano Veloso, embora nunca entendesse exatamente o que ele quis dizer na letra. Gostava da figura profana, desafiando as leis e costumes com suas divinas tetas. Deusa pagã, mulher, com a cabeça erguida acima da manada.
Caetano pedia que ela derramasse sobre ele o leite bom e deixasse o leite ruim para os caretas.
Pra mim havia arrogância nesse pedido.
Nós, que nos vemos como artistas, como intelectuais, nos achamos especiais, superiores, dignos do leite bom da vaca profana. O leite ruim vai para os caretas, que não entendem Thelonius Monk, que não são torres traçadas por Gaudi.
Talvez pela falta desse leite profano/sagrado, os caretas se tornaram perigosos, rancorosos. Agora eles não evitam mais os museus. Vãos aos museus com pedras na mão, tal qual os que apedrejariam a adúltera do Evangelho, estão em uma cruzada contra a cultura, contra a arte, contra Caetano.
Estão cegos e raivosos. Querem evitar que crianças vejam exposições. Além de pedras estão armados com mentiras e memes falaciosos. Não servem à Vaca Profana. servem aos homens dos podres poderes.
Caetano sabia que não devíamos ficar com o leite apenas para nós. Mesmo arrogante, ele viu que era preciso dividir o que é bom para todos, assim pede no final da música:
“Gotas de leite bom na minha cara
Chuva do mesmo bom para os caretas”
Mas é tarde demais: Picasso, Maria Bethania, Thelonius Monk, Toms e Miltons ou o som do Tim Maia, nada disso sensibiliza aqueles que vivem do ódio. Eles atacam Adriana Varejão, agridem a tigresa Sônia Braga, seguem sua inquisição particular.
Não vamos lutar com as mesmas armas, não vamos pedir a mordaça ou responder mentiras com mentiras. É hora da arte ser mais arte. Da contestação ser mais verdadeira, dos filmes serem mais contundentes. Vamos aproveitar o leite bom e espalhá-lo para quem quer e quem não quer. Respeitemos nossas lágrimas, mas ainda mais nossa risada. Vamos ressuscitar um refrão que fazia sentido há 50 anos: “É Proibido Proibir”!