Quando tudo não é o bastante

Kate Spade era uma das maiores estilistas do mundo. Bonita, talentosa, bem sucedida, ganhou tanto dinheiro que se quisesse poderia lustrar panelas usando Veuve Clicquot.

Anthony Bourdain viajava o mundo se hospedando nos melhores hotéis e comendo nos melhores restaurantes, namorava uma linda atriz italiana e era admirado por todos.

Os dois deram fim às próprias vidas entristecendo seus milhões de fãs, inclusive este desconhecido cronista.

Porém, além da tristeza, estes suicídios levantaram uma questão.

Se estas pessoas fantásticas que conquistaram tudo o que sempre sonhamos não suportaram o peso de viver, como ficamos nós, que atrasamos boletos, nos apertamos no metrô, temos nossos projetos engavetados, como nós atravessamos nossas míseras existências?

Minha impressão é que nossas vidas são ainda mais difíceis que as de gerações anteriores. Quando eu era um garoto de classe média em São Bernardo, filho de funcionários públicos que me deram absolutamente tudo, viajávamos para Águas de Lindoia em todas as férias e isso estava mais do que bom. De vez em quando almoçávamos no Dinhos da Alameda Santos e essa era a grande conquista. Sem Internet, sem o Trip Advisor e sem o canal TLC, viajar para o exterior era quase uma abstração.

Hoje, quando planejo uma viagem, estou em busca de uma experiência inenarrável. Não basta ir a Paris, é preciso se hospedar um hotel Boutique, encontrar um bistrô exclusivo que mais ninguém conhece, viajar para um vinhedo e tomar in loco um vinho que o Robert Parker indicou.

A felicidade começa a ter parámetros dos mais arredios. Pense num casamento há trinta anos. Havia comida, música e todos se divertiam. O mesmo com nossos aniversários na garagem de casa, quando capinhas de papelão enfeitavam pequenas garrafas de guaraná.

Hoje, para um casamento ser aceitável, a noiva precisa chegar de helicóptero. As pessoas tem de receber cacarecos como óculos e perucas de plásticos, as convidadas ganham Havaianas personalizadas e a despedida de solteira precisa ser em Nova York. Uma festa de aniversário infantil inclui monitores, atividades, tobogãs, tirolezas e as presenças supresa do Hans Solo e do Homem Aranha.

Evidentemente tanto o bistrô de Paris, como helicóptero do casamento ou o tobogã da festinha precisam ser compartilhados nas redes sociais. Felicidade só faz sentido se arrancar aplausos da galera.

Aparentemente, essa meta de felicidade com padrões cada vez mais inatingíveis tem trazido muitos problemas. O mundo vive uma pandemia de depressão, aparentemente, ao querer sempre mais, estamos eternamente insatisfeitos. Kate e Antonhy eram do time que efetivamente tinha essa vida de sonho, repleta de experiências exclusivas e mesmo eles parecem não ter encontrado paz de espírito.

Se você leu até aqui esperando repostas para essas questões, sinto decepcioná-lo. Não sou o sujeito que vai salvar o mundo dessa crise de desesperança. Meu único palpite é que no caminho que seguimos não vamos encontrar a tal felicidade. Talvez o caminho seja bem mais simples. Talvez encontremos o pote de ouro quando deixarmos de buscá-lo com tamanha sanha.

P.S 1 – O título do post foi emprestado do livro de mesmo nome de Harold Kushner. Vale ler.

PS. 2 – Raul Seixas ajuda a entender essa angústia em Ouro de Tolo:

Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido o domingo
pra ir com a família no jardim zoológico dar pipocas aos macacos
Ah, mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco

4 comentários

  1. A felicidade se tornou coisa utópica. Há muitas reflexões que podemos absorver de seu excelente texto, deixo apenas essa frase solta, que se encaixa em tudo o que escreveu, colocando a dureza da realidade que é cinza mas enfeitamos nos filtros digitais…

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