O mundo não vive um bom momento. Milhares de famílias estão enlutadas graças à covid-19. Nos hospitais faltam leitos para tantos doentes, as pessoas estão desempregadas, empresários quebrando e o país vive uma sensação de caos total. O mundo nos assusta com notícias terríveis dessa doença enquanto os EUA estão em convulsão depois de um assassinato racista. Para piorar, como diria Frejat, quem nos governa não presta.
Eu mal saio de casa. Só vou ao mercado e à farmácia. Não vejo meus pais, meus irmãos, meus amigos. Sinto falta das pessoas que amo. Às vezes minha filha fica uns dias aqui, noutras estou completamente sozinho. Trabalho com projetos culturais, setor que foi duramente atingido pela crise.
Enfim, tenho todos os motivos para estar no buraco. Mas, pelo contrário, tenho estado estranhamente feliz. Bate até um sentimento de culpa.
Eu sei que é difícil de entender, mas alguns fatos ajudam a explicar essa anomalia.
Apesar crise estou trabalhando, produzindo e editando em casa, com algumas boas perspectivas de futuro. Isso já é um alívio. Ao mesmo tempo, por estar em casa, sobra-me bastante tempo que tenho usado de forma criativa. Escrevo, estudo música, gravo com minha banda (cada um da sua casa) e com minha filha. Nossos covers são sucesso entre os amigos nas redes sociais
Como já contei num texto anterior, tornei-me um especialista em tarefas domésticas. Passo as cuecas, lavo panos de prato, limpo o fogão, cozinho, faço bolos à tarde e panquecas no café da manhã. Nos últimos 60 dias não pedi comida uma única vez. Cozinho todas as minhas refeições, algumas caprichadas, outras bem simples, mas isso me dá uma sensação boa, como se eu tivesse um super poder.
Não é a vida dos meus sonhos, nem quero que seja assim para sempre. Mas em nenhum momento eu me sinto triste. Meus dias estão sempre ocupados com tarefas agradáveis, trabalhando, cuidando da casa e nos horários que me dedico à música e à escrita.
Não preciso me preocupar com o que vestir. Na verdade, escolho sempre o que é mais fácil de lavar. Não uso perfume e não cuido do meu cabelo. Meus dias são gastos com aquilo que me faz sentir bem.
Fico em contato com os amigos pelo Whatsapp, participo de encontros no Zoom e minha família organizou algumas festas bem boas através de chats. Deito cedo em lençóis que eu mesmo lavei, leio Philip Roth na cama e durmo muito bem.
Enfim, desejo que essa pandemia passe logo e que todos fiquem bem. Talvez seja errado estar feliz no meio do inferno, mas no futuro, quando lembrar desses dias, creio que serão lembranças doces. Temos pouco espaço para mudar o mundo a nossa volta, mas podemos mudar a forma com que reagimos a ele. Talvez esse seja o segredo para encontrar a felicidade mesmo nos piores momentos.
Termino deixando de brinde uma das invencionices da quarentena:
Nossa, estou me sentindo totalmente como você. Não me senti triste em nenhum momento. E essa sua frase resume todas as sensações: “Talvez seja errado estar feliz no meio do inferno, mas no futuro, quando lembrar desses dias, creio que serão lembranças doces.”
Espero que seja assim para a maioria das pessoas.
Acho que não, infelizmente. Vejo pelas pessoas próximas que muitos não estão sabendo lidar com esse momento de conviver com si mesmo ou só com pequeno núcleo familiar.
Você tem razão, fora que as mortes estão chegando cada vez mais perto, daí não como ficar bem…