Toda vez que saio de casa levo um livro na mochila. Ando muito em transporte público e nos deslocamentos li a maioria dos livros da minha vida.
Quando viajo para outros países vejo com admiração a imensa quantidade de gente que lê no Metrô. Já no Brasil, temos apenas três leitores por vagão.
Descobri esse número depois de anos de observação. Vagões muito vazios podem até ter apenas dois livros abertos, mas mesmo no horário do rush, o número de leitores nunca passa de três.
Aliás, quanto mais observava, mais percebia que esse número tinha algo de mágico. Era um fato comandado por forças místicas e não pela lógica humana.
Quanto mais o fenômeno me intrigava, mais eu fazia testes.
Quando eu era um dos três leitores eu discretamente parava a leitura e guardava meu livro. Nesse mesmo instante um transeunte qualquer sacava um livro, Deus sabe de onde, e me substituía.
Já testei o contrário. Ao entrar em um vagão com três leitores eu pegava o meu livro da mochila para finalmente ser o quarto leitor. Sempre que isso acontecia um dos outros leitores descia na estação seguinte.
Não importa o que eu faça, não importa o quanto eu desafie o destino, já me conformei, seremos sempre três leitores no vagão.
Será que há algo de telepático que une os leitores? Será que há um equilíbrio do universo que pode ser rompido se vários brasileiros entraram em trens, metrôs e ônibus munidos de seus livros e abandonarem repentinamente os dispositivos que usam para trocar mensagens e ver fotos alheias?
Ou quem sabe, aqueles milhares de olhos colados nos smartphones estejam na verdade usando o aplicativo do Kindle e lendo tanto como nós, tradicionais leitores dos antigos livros de papel?
O que aconteceria se quebrássemos a profecia ? O que aconteceria se como nos EUA, na Argentina, França ou Portugal, rompêssemos a barreira dos três leitores?
Imagine milhões de Brasileiros portando seus Machados, Guimarães, Lígias e Clarisses. Milhões ampliando seus horizontes, adquirindo cultura e conhecimento, expandindo sua sensibilidade, incrementando seu senso crítico.
Como seria o Brasil com mais de três leitores no vagão?