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Quatro e quatorze da madrugada e lá estava ele, todo aceso, encostado próximo à janela e olhando na direção da cama, admirado. Admirando-a. Ela. Ela estava lá, desajeitada sobre a cama e dormindo de forma profunda, quase desnuda e toda linda. Desarmada.
Quatro e quinze da madrugada e aquilo não era insônia. Não, não era insônia. Definitivamente não. Não mesmo. Era felicidade. Apenas felicidade.
Quatro e dezesseis da madrugada e lá estava ele, despido, segurando um copo de algum destilado que ele sorvia em breves e cuidadosos goles. Bebia lentamente a generosa dose da bebida, de modo intencional. Pretendia retardar, ao máximo, a perda do sabor daquela linda mulher ainda impregnado em seus lábios. Não quis acender um cigarro para não perturbá-la. Não quis nem pensar em arriscar acordá-la. Seria um crime. O crime do século, desconstruir aquela cena. Cena adorável. Adoravelmente bela. Encantadora.
Quatro e dezessete e o que mais ele podia querer, além do que já possuía naquele exato instante? Naquele exato momento da madrugada?
Quatro e dezoito e ela, toda linda, estava ao alcance dos seus olhos. O perfume suave e com toques doces exalava da sua delicada pele, sobressaindo no ambiente e afastando o aroma urgente do sexo apaixonado há pouco praticado.
Quatro e dezenove da madrugada e a luz do letreiro do prédio comercial vizinho invadia, sem cerimônia ou permissão, aquele aconchegante quarto de apartamento e abraçava a delicada renda guipure envolta no corpo dormido dela. Uma dança sensual de luz neon sobre um palco de renda guipure. Como se fosse possível. E era.
Quatro e vinte e ele estava acordado. Mais do que nunca. Mais do que nunca. Acordado e feliz. Feliz. Bastante. Espectador de uma cena adorável. Cena de algum belo e inédito filme antigo. Coadjuvante de uma cena explícita de amor. Ele, o coadjuvante. Ela, a protagonista. Sem dúvida alguma.
O neon?
O neon era a fotografia.
E a renda guipure o figurino ideal, a moldura perfeita para aquele quadro de paixão. Uma bela tela de cinema real. O mais belo quadro. A mais bela tela. Ela.
Quatro e quarenta e nove; quatro e cinquenta e dois; quatro e cinquenta e oito; cinquenta e nove; e, ele, ainda estava lá. Ainda acordado e com o mesmo, exatamente o mesmo, sorriso no rosto, apenas desejando em pensamento que o relógio parasse, ainda que por mais vinte e tantas horas. E isso não era pedir demais.
Definitivamente, não era pedir demais.
Photo by Shonna Clark (Free Images)