A Bala Amarela No Saco De Jujuba

leia e ouça: snail mail || the 2nd most beautiful girl in the world

– O mar está tão frio hoje – ela disparou assim, do nada, já naquele final de noite no Clube Varsóvia.
– Que mar? – ele perguntou surpreso.
– O mar, caramba. Qual mar? – ela respondeu irônica – O único que existe. O mar. Ele está muito frio hoje.
– Ótimo. Ele pode estar frio, gelado, congelante, mas ainda bem que está longe de nós. Estamos no Clube Varsóvia, na fila para pagar e sair. Percebe? Tem noção disso?
– Você não tem o menor senso de realidade, sabia? Infelizmente. Este é o seu maior problema. Falta de visão. Podemos estar no mar, no Varsóvia, na cidade, no campo, em algum inferninho cheio de desocupados ou vagabundos, ou mesmo nos alpes suíços. It´s up to you. Depende da sua imaginação. Da nossa imaginação.
– E do grau etílico e da quantidade de qualquer coisa que foi consumida hoje também, não? De qualquer forma, como sabe que o mar está frio?
– Você já viu o céu? Cara, hoje é sábado, comecinho da manhã daqui a pouco e olha lá… – ela disse apontando por uma fresta na porta de saída – Dá para perceber aqueles vultos de nuvens cor cinza, carregadas de inverno. Óbvio que o mar está frio. As lágrimas dos deuses não são quentes. Com toda a certeza não são. Cretinos eles.
– Ah, as lágrimas dos deuses agora – ele disse olhando para o alto, sem paciência – Tem razão. Então porque é inverno neste hemisfério, talvez o mar não devesse estar naturalmente frio. E pior, o mar está frio não pelo inverno, mas porque os deuses choram lá do céu e suas lágrimas são geladas como dor, toda a água do planeta congelou e blá blá blá. Você é ótima, sabia? – concluiu com um sorriso.
– Claro que sei. Sou genial – ela disse.
– E louca – ele respondeu.
– E muito normal – retrucou.
– Porém, inconstante.
– Sim, e também triste – ela tentou concluir.
– Isto é por sua conta.
– Desconfiada – ela acrescentou.
– Muito – ele frisou.
– Atraente – ela arriscou.
– Pelo menos para mim – ele admitiu.
– Interessante.
– Divertida.
– Sonhadora.
– Sonhadora? Sim, você é sonhadora.
– Uma ótima companhia? – ela perguntou.
– Claro que não – ele rechaçou com um sorriso.
– Não esquece que sou violenta.
– Eu sei.
– E vingativa – ela completou.
– Demais.
– Odiosa.
– Nada disso – ele negou.
– Muito lunática?
– Sim, lunática e muito bonita – ele afirmou.
– Isso é por sua conta – ela gostou.
– Ainda bem.
– Adoro você, saca?
– Eu também. Saca?
– De qualquer forma, o mar está frio e eu sinto todo este frio cortar minha espinha.
– Coloca o casaco – ele sugeriu.
– Não adianta – ela recusou.
– Como não? – ele perguntou enquanto segurava o casaco dela nas mãos.
– Nua. Vou continuar sentindo-me nua e, ainda por cima, uma mulher nua e perturbada com esta canção horrorosa que está atormentando meus ouvidos. E toda a cidade sabe o motivo.
– Qual?
– Olha ele lá. Conversando com ela.
Ele olhou para onde ela estava olhando, perto do bar do Clube Varsóvia, e percebeu tudo – Filho da puta – emendou.
– Canalha – ela completou.
– Sou mais você.
– Eu também, mas na verdade queria é que ELE achasse isso. Totalmente ligado em mim.
– Não gosto dos olhos dele. Nunca gostei.
– Por quê? – ela perguntou.
– São frios.
– Como o mar?
– Exato. Dali não sai lágrimas. E como dizia minha avó: “nunca confie em olhos incapazes de chorar“.
– Ótima frase.
– Péssima, na verdade, e ela não disse isso, apenas aproveitei a deixa já que ela nasceu numa cidade próxima ao mar – ele justificou.
– Mar frio?
– Gelado – ele respondeu.
– Sabe de uma coisa? – ela perguntou.
– O quê?
– O pior de tudo? – fez suspense.
– Não, diz.
– O mais grave desta porra toda da minha vida que está desmoronando sob meus pés e coração?
– Fala porra – ele pediu.
– Eu nunca como a bala amarela do saco de jujuba, sabia? Nunca.

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