leia e ouça: rachel gore || a song I wrote for you
Nina, assim como todos nós, tinha as suas manias, seus medos, suas ideias, suas brincadeiras, seus namorados, seus amigos, enfim, a sua vida. Nina tinha várias coisas. Ela era uma pessoa jovem e tranquila, porém com um algo a mais que a tornava potencialmente diferente. Ela tinha, embaixo de sua cama, guardada e bem escondida, uma pequena, encantadora e adorável caixa de sorrisos. Sim, isso mesmo, ela tinha uma caixa de sorrisos. Sempre que ela ou algum amigo chorava, sofria ou precisava de alguma coisa ou algum tipo de ajuda, lá estava ela, Nina, ligeira a abrir a sua caixa de sorrisos para uso próprio ou distribuição farta, a quem quer precisasse. Ela tinha sorrisos de todos os tamanhos, de todas as cores, de todos os formatos, de todos os tipos. Sorrisos para dias nublados, sorrisos para dias de chuva, sorrisos para os dias de verão, quentes e abafados, sorrisos para os dias de outono, frios e impessoais. Ela se sentia bem e feliz possuindo essa verdadeira maravilha. Todos perguntavam de onde vinha tanta força, tanta energia, mesmo em tempos tão difíceis, e Nina apenas mudava de assunto e continuava feliz. Entretanto, como poucas coisas são justas ou tem alguma explicação razoável nesse mundo exausto e cansativo, um dia, um belo dia, Nina acordou e não encontrou sua pequena e adorável caixa de sorrisos embaixo da cama. Não. Não encontrou. E ela, claro, precisava muito daquela caixa e especialmente naquele dia. Como precisava. Olhou em todos os cantos da casa. Nos livros, nos discos, nas fotografias antigas, nos seus manuscritos, nos cigarros, nos seus perfumes prediletos, nas suas memórias mais antigas, porém Nina não encontrou nada. Nada além do seu rosto fechado e cinzento diante do espelho. Um reflexo sem qualquer vaga lembrança de um sorriso. Ela, então, chorou e gritou querendo algum tipo de cura, algum tipo de ajuda, algum tipo de carinho. Seus amigos, que não estavam acostumados com essa situação e ocupados que estavam com suas próprias vidas, apenas não notaram isso. Aliás, foi aí que Nina percebeu que somente podia contar com ela própria, apenas e somente com ela. Sempre. E assim, desistiu de procurar.
…
– Por que você está com essa carinha? – uma criança lhe perguntou, assim, de sobressalto e do nada.
Nina a olhou com surpresa e percebeu que estava em uma loja de brinquedos e, caralho, era quase véspera de Natal. Perdida em seus pensamentos, Nina precisou ser interrompida pela criança para voltar ao normal e tentar lembrar do que havia ido fazer naquela loja.
– Então? Está triste no dia de hoje? – a garotinha insistiu.
Nina tentou se livrar da garota e respondeu rápida – Nada. Não é nada. Estou bem.
– Se não fosse nada você estaria com os olhinhos brilhando e não com essa carinha, afinal é Natal, você não sabia? – a garota insistiu.
Nina ficou constrangida e disse – Sei sim. Mas é que, às vezes, a gente não tem muitos motivos para sorrir.
A garota e encarou contrariada e respondeu – Minha mãe me diz que quando eu estiver triste, basta acreditar que tudo que te incomoda vai passar rápido e, pronto, a tristeza foge – a criança continuou.
Nina sorriu em troca e respondeu – Tá bem. Vou tentar fazer isso. Olhe lá, sua mãe está chamando. Feliz Natal.
– Para você também – completou a garota, indo em direção à sua mãe, não sem antes virar a cabeça e dizer para Nina – Pode deixar que se você não conseguir sozinha eu te ajudo, pede pro Papai Noel e ele me avisa e vou te ajudar. Tchau – finalizou, balançando a mão para Nina.
Perplexa, Nina olhou a garota que lhe disse doces palavras, do nada e sem pedir nada em troca, sumir na multidão de mãos dadas com a sua mãe. Então, Nina apenas… sorriu. Sim, Nina sorriu alegre e aliviada. De alguma forma, alguma maneira esquisita que sequer sabia como havia acontecido, ela finalmente percebeu que jamais havia perdido a sua adorável e encantadora caixa de sorrisos. Naquele exato instante, ela percebeu que a caixa sempre esteve lá. Sempre esteve no mesmo lugar de antes. Apenas estava escondida. Muito bem escondida.
Jamais comento sobre a “origem” dos meus textos e se eles são reais ou não. Mas resolvi falar sobre esse. E é raro isso. Eu escrevi esse texto há muitos e muitos anos. Hoje eu lembrei dele, dei uma “repaginada” e resolvi colocar aqui. Uma amiga de um passado em preto e branco e que sempre lia meus textos (e que tinha, de fato, uma caixa de sorrisos) um dia perto do Natal me pediu para escrever algo sobre o tema e lembro bem que ela avisou: “escreve e pode ser bem cafona, as pessoas perdoam a cafonice nessa época do ano”. Bem, não tenho a menor ideia por onde ela anda e se um dia ela vai ler novamente este texto, assim como nem tenho ideia se ele é ou não é mesmo cafona. De qualquer forma, é isso. Espero que gostem e cuidado onde guardam suas caixas de sorrisos. Um dia podem precisar delas…
Lindo texto. Não o acho cafona.
Obrigado. Também acho que não Gosto dele. Bastante. Feliz Natal e Obrigado.
Acho que é um pouco piegas, sim, mas do tipo de pieguice que todos precisamos um dia. Preciso achar minha caixa de sorrisos.
Hoje fica no crédito…