200 mil mortos

Nos acostumamos com tudo, até com a morte no atacado.

Quando víamos pelsa TV as 40 mil mortes na Itália, parecia um pesadelo. Agora, com 200 mil mortos no Brasil, tocamos a vida como se nada tivesse acontecendo.

Será que endurecemos nossas cascas a ponto de ignorar o luto?

Talvez, a dor não seja tão grande pois números são abstrações. Mil, 2 mil, 10 mil ou 200 mil mortos acabam se transformando em gráficos no cenário do Jornal Nacional.

Eu me assusto mais quando penso nas pessoas conhecidas que se foram, rostos queridos, muito diferentes de números.

Penso em Seu Naum, meu companheiro de cantoria na sinagoga, que me ensinava as músicas de Silvio Caldas e Nelson Rodrigues.

Penso no Edward, nosso vizinho de infância, que mesmo na velhice lembrava o Marlon Brando.

Luzia, ex-funcionária da minha produtora, mulher forte e doce.

Helio Cuperman, primo distante do meu pai, de sorriso largo e óculos de armação vermelha, sempre passeando na Hebraica.

Alessandro, meu ex-primo, doce, generoso, simpático, jovem, tão jovem.

Iracema, cozinheira daquelas, não é a toa que seu filho virou chef.

Todos sorteados na loteria macabra do covid.

O destino é curioso. Escolhe dois para levarem a Mega-Sena e 200 mil para morrer com um vírus novo.

E pra piorar, o globo com os números continua girando, o sorteio não para, dia após dia. Todos nós participamos do jogo. Até que sejamos vacinados, quantos milhares nos deixarão? Estaremos entre eles?

Talvez seja melhor mesmo não pensar nos números, quem sabe é a única maneira de continuar seguindo na corda bamba, tirando um pouco de alegria da vida, acreditando que em breve, tudo  vai passar.

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