Quem teve a sorte de conhecer meu pai, sabe que ele respirava política. Era seu assunto predileto. Desde jovem devorava o primeiro caderno do Estadão, além de acompanhar as notícias no rádio e as opiniões de editorialistas da TV.
Com um senso crítico mais que apurado, nunca houve um presidente que merecesse sua aprovação*.
Pra ficar nos últimos 30 anos, meu pai votou no FHC mas deixou de apoiá-lo no golpe da reeleição. Votou em Lula contra FHC, porém os escândalos de corrupção e os estádios da Copa levaram meu pai à oposição ao PT. Por uns anos, falar mal do Lula era seu esporte predileto.
Porém, Bolsonaro ganhou um lugar especial no repertório do meu pai. Para ele, Bolsonaro foi o pior presidente já visto em seus 83 anos.
Ele dizia ter se arrependido de anular o voto no segundo turno.
_ Eu devia ter votado no Haddad.
Meu pai ainda não se conformava com as pessoas que não viam o que ele enxergava de forma tão evidente. Que Bolsonaro era fascista, incompetente e miliciano.
Porém, nada que meu pai dissesse ou fizesse poderia interferir na vida de Bolsonaro. O oposto não era verdadeiro.
Como presidente, cada ato ou omissão de Bolsonaro atinge diretamente nossas vidas.
Em 2020, por exemplo, Bolsonaro recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer que chegariam em dezembro. Ao fazer isso, ele decretou a morte de meu pai.
Bolsonaro achava que a imagem da vacina estava ligada a Doria e que a vacina poderia eleger o governador paulista em 2022. Para garantir a reeleição, ele boicotou a vacina, o resto da história todos sabemos.
É como Humanitas, a filosofia que nos ensina Quincas Borba, personagem de Machado de Assis.
Quincas conta que sua avó foi atropelada e morta por uma carruagem cujo dono tinha fome e precisava correr para uma refeição. A necessidade do forte mata o fraco. Assim é a sociedade. Assim é Humanitas.
Meu pai era delicado fisicamente e tinha uma alma sensível. Não era páreo para o presidente e seu desejo de reeleição. A carruagem de Bolsonaro metaforicamente atropelou meu pai e o mundo seguiu como nada tivesse acontecido. Humanitas.
* Para ser justo, preciso reconhecer que meu pai tinha respeito por três ex-presidentes: Temer e Itamar, por terem segurado a bronca mesmo assumindo o país em graves crises; e Geisel, a quem meu pai admirava pelo Proálcool e pela descoberta da Bacia de Campos
Muito bom. Muito bom estar de volta ao lar. E que transforme todo esse turbilhão de sentimentos em mais e mais textos para todos nós (que são sempre muito bons, a propósito). E vamos indo. Sempre… Besos.
Se a dor inspirar passarei alguns meses sheakespirianos
RIP Isidoro.
Vamos agitar nossas asas, muitos, milhares, milhões!!! Provocar o efeito borboleta.
Isso aí Jiro, precisamos
Quando elegeram o cidadão que aí está, eu me senti péssima. Não entendia como era possível tal escolha. Hoje, passado todo esse tempo (concordo que seja o pior dentre todos) eu entendo o resultado da eleições. Na última vez em que esteve na televisão, ouvi as panelas gritarem no bairro em que moro. Uma orquestra ruidosa. Um bairro classe média que elegeu o malvado (ainda) favorito de muitos.
Acho que o discurso contra a corrupção é antigo e ainda se repete de boca em boca. Assim como funciona certas histórias inventadas num tempo anterior a esse. Ainda se teme o monstro do comunismo. E ainda temos o politicamente correto que não freia a boca do cidadão eleito democraticamente. Poderia enumerar muitas coisas. Mas a conversa ficaria aborrecida. rs
Acho que o Bolsonarismo não é fruto de um único pensamento. É uma soma da extrema direita perversa com o resultado dos ataques mentirosos contra o progressismo. Muita gente que votou no Bolsonaro contra a corrupção agora defende a corrupção do Bolsonaro. Porém muitos votaram pelo mesmo motivo e hoje não o apoiam mais. Enfim, é assunto para boteco por horas, mas os botecos estão fechados…