Crônica telefônica – Seu Nelson

O telefone fixo toca quando estou criando um anúncio para divulgar o lançamento de um livro sobre cadeiras (de um designer francês):

Espera… música, finalmente uma voz, feminina:

– Por favor, o senhor Nelson?

– Não tem ninguém aqui com esse nome.

– Ok, obrigado.

O telefone fixo toca. Obviamente estou ocupado, mão presa no mouse, terminando um recorte de imagem. Saio correndo para atender:

Espera… música, finalmente uma voz, de homem, o sotaque nordestino:

– Por favor, o senhor Nelson?

– Não tem ninguém aqui com esse nome.

–  Me desculpe, boa tarde.

O telefone fixo toca. Um toque, dois, três, dez. Não me levanto da cadeira.

O telefone fixo toca de manhã, nem tomei café ainda:

Uma voz, feminina:

– Por favor, o senhor Nelson?

– Não tem ninguém aqui com esse nome.

– É ele quem está falando ?

– Acabei de dizer que não tem ninguém aqui com este nome…deve ser o dono anterior da linha.

A moça desliga na minha cara.

O telefone fixo toca. Meio da tarde:

Uma voz, masculina, preguiçosa:

– Por favor, o senhor Nelson?

– Não tem ninguém aqui com esse nome.

– Desculpa então (sim, respondem com esse cacófato infame).

O telefone toca. Fim do dia:

Uma voz, masculina:

– Por favor, senhor Nelson?

– Não tem ninguém com esse nome aqui.

– Desculpa então. (mais uma vez o cacófato – não tem treinamento nessas empresas de telemarketing?).

Estou desenhando mais uma página do meu próximo livro infantil. O telefone fixo toca, uma, duas, três vezes. Pode ser a escola do meu filho:

Nova voz, feminina:

– Por favor, o senhor Nelson?

– Não tem ninguém aqui com esse nome.

– Ah, tá, obrigado.

(Como assim!? Ela já sabe que o senhor Nelson não está e ainda sim me liga?)

Fim do dia. Está chovendo. O telefone fixo toca:

– Por favor, o senhor Nelson?

– Não tem ninguém aqui com esse nome.

– Desculpa então (olha aí de novo o cacófato infame).

O telefone fixo toca, saio do banheiro correndo para atender (pode ser da escola do meu filho, minha mulher):

– Por favor, o senhor Nelson?

–  Sou eu. Vai tomar no cu! Parem de me ligar!

A ligação cai.

As ligações seguem. Junto com o Francisco Cuoco vendendo cemitérios.

Como o Raul Gil e a Hortênsia em gravações infames tentando nos empurrar o milagroso Ômega 3.

A minha operadora de celular, com novas ofertas, novos planos, não, estou satisfeito com o meu plano atual. Espere para ouvir o que temos para oferecer a você. Desligo.

A administradora do meu cartão de crédito, não, não quero seguro, não planejo morrer tão cedo, tenho um filho pra criar.  Desligo.

Aguarde um instantinho na linha.

O caralho. Desligo na hora.

Mas o que fica é o seu Nelson.

– Por favor, o senhor Nelson?

– Olá, por favor, o senhor Nelson se encontra?

– Gostaria de falar com o senhor Nelson.

– O senhor Nelson? (às vezes mal educados, desligo direto).

– Senhor Nelson, por favor? (Rápidos, diretos, tentando pegar o homem desprevenido).

– O senhor Nelson se encontra?

– Alô, quem está falando? (Quer falar com quem?)

– Boa tarde! Boa tarde.

– O senhor Nelson se encontra?

– O seu Nelson? Seu? Meu? O nosso?

– Eu gostaria de estar falando com o senhor Nelson… (juro, já rolou esse gerundismo).

– Eu gostaria de falar com o senhor Nelson. Quem gostaria?

– Eu gostaria de falar com o senhor Nelson. Por que?

– Eu gostaria de falar com o senhor Nelson. Nelson? Que Nelson?

– Não senhor, não tem nenhuma pessoa aqui com esse nome.

– O senhor não conhece o senhor Nelson? Não. Quem é o senhor Nelson? (aqui a linha recorrentemente cai).

Quem é o seu Nelson?

É novo? Velho? Mais velho que eu? Viveu mais que eu? Fez mais cagadas? Realizou algo memorável?

Quem é o senhor Nelson? Seu Nelson, quem é você?

Aliás, o que é que tá pegando, seu Nelson?

Dívidas com banco? Cartão de crédito?

A companhia telefônica?

A justa?

Seu Nelson, o senhor deu calote nas Casas Bahia? Está devendo as prestações do conjunto Capelinha?

Está devendo na Casa das Alianças, por uma aventura efêmera que não deu em nada?

Crédito consignado? A Crefisa tem o empréstimo que o senhor precisa, seu Nelson, mesmo negativado.

Limpamos o seu nome, seu Nelson.

Trago seu Nelson em três dias. Pagamento somente após o resultado.

Ganhou um concurso e a gente pensando mal de você, seu Nelson? Vamos dividir esse prêmio, seu Nelson.

Cadê você, seu Nelson? Foi para Rio da Ostras? Para Visconde de Mauá?

Pegou Covid, seu Nelson?

Você já foi para Bahia?

Coxabamba? Passárgada?

Será que o seu Nelson resolveu abrir uma empresa com dois amigos da faculdade e depois de dez anos achando que ia dominar o mundo, descobriu que o sócio que cuidava do financeiro era um grande pilantra que deixou seu nome sujo e um papagaio de mais de milhão?

Será que o seu Nelson era quem cuidava do financeiro?

Aqui é o do banco, seu Nelson, aquele empréstimo…

Temos condições especiais para renegociar sua dívida…

Seu Nelson, seu Nelson…

Vou ao Google: Nelson – about 434,000,000 results (0.72 seconds)

Nelson é uma cidade de pouco mais de dez mil habitantes na Columbia Britânica, Canadá, junto às Montanhas Selkirk.

Nelson é uma região da Nova Zelândia.

O vice-almirante Horatio Nelson venceu a Batalha de Trafalgar em 1805, mas foi mortalmente atingido na batalha por um atirador francês.

Nelson Rockfeller foi vice-presidente dos Estados Unidos de 1974 a 1977. Republicano, usava óculos.

Nelson Mandela morreu em 2013.

Nelson Freire, o pianista. Nelson Motta, jornalista (envelheceu mal). Nelson Gonçalves. Nelson do Cavaquinho. Nelson Rodrigues.

Nelson. Neal, Nel, Neil, Njal. Nils.

Aqui não tem ninguém com esse nome.

Desculpa então!

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