“It’s not true
Tell me I’ve been lied to
Crying isn’t like you”
(I Love You || Billie Eilish)
leia e ouça: the post nobles – I love you (billie eilish cover)
A chuva desabava com uma fúria insana e ele estava lá, todo encolhido e muito molhado, parado sob o toldo vermelho em frente a portaria do prédio em que ela morava. Já era madrugada e ele estava lá há algum tempo, todo encolhido e muito molhado, apertando com força absurda um envelope em suas mãos, querendo apenas evitar que a chuva molhasse o seu conteúdo. Ele estava lá. Feito um tolo. Sim, um tolo e ele, de fato, era ou foi ou sempre seria muito tolo. Um verdadeiro idiota. Apesar de saber que ela odiava que ele se diminuísse desse modo, infelizmente não havia outro adjetivo que não esse a ser utilizado naquele instante. Um tolo. Apenas isso. A definição exata de como ele exatamente se sentia. Um tolo. E, pensando bem, também humano. Um humano bastante inapropriado, diga-se, mas ainda assim humano. Um sujeito comum, sujeito a erros, medos, inseguranças, expectativas, infantilidades, besteiras, bobagens, enfim, sujeito a tudo o que não gostava de sentir, mas que, óbvio, não conseguia evitar. Coisas boas e coisas nem tanto. Coisas lindas e coisas piores. Por isso, o erro. Por isso, o desacerto. Por isso, a ansiedade e a confusão. Por isso, agora, o medo de ter posto tudo a perder. Tudo. Por medo. Apenas por muito medo. Muito medo. E debaixo daquele toldo vermelho, ele sabia que não era certo o que fez e os julgamentos que praticou. No fundo, ele sabia. Ele sabia que a vida acontecia e sempre iria acontecer, apesar dele. Mas, ainda assim achou, por um instante, um instante crucial e fatal, que tinha o direito de interferir, de falar demais, de cobrar demais, enfim, de tornar turbulento um céu de brigadeiro, um mar de almirante, enfim, um momento feliz. E, então, ele errou. Feio. Apenas errou e, mais uma vez, falou demais e fodeu com tudo, sem o menor pudor. Inexperiente? Inseguro? Não…. tolo mesmo, apenas tolo. E a chuva? Bem, a chuva continuava a desabar com uma fúria insana, mas ele permanecia lá, todo encolhido e muito molhado, parado sob o toldo vermelho em frente a portaria do prédio em que ela morava. Decidiu, enfim, fazer o que tinha ido fazer naquele edifício. Teve a coragem de, ao menos tentar. Ao menos tentar reparar o erro. Trêmulas, as suas mãos atravessaram a grade segurando com extremo cuidado o envelope que ele tanto protegeu até ali, que ele agarrou desde que saiu do bar em que escreveu o bilhete que estava dentro. Não tão calmo, colocou o envelope na portinhola de correspondências do apartamento dela. Deixou cair lá dentro o envelope e deu um suspiro profundo ao ouvir o barulho dentro do compartimento de cartas. Agora era tarde demais. Agradeceu a ausência de porteiros no prédio em que ela morava, assim como agradeceu a um Deus em que ele sequer acreditava, a tempestade que desabava impiedosa naquela noite. Estava grato por ela ajudar a evitar que qualquer pessoa o visse chorando daquela maneira, em desespero. Parou, respirou fundo, olhou para cima e para o céu, ajeitou os cabelos encharcados que estavam grudados à sua testa e pôs-se a andar desanimado de volta para qualquer lugar no planeta que o acolhesse àquela hora, já que não queria ir para casa, afinal sequer tinha uma naquele instante. E, assim, ele se foi naquela madrugada chuvosa.
E ele simplesmente não conseguia parar de chorar.
Bilhete? O que havia no bilhete? Havia sentimento, havia verdade e havia sinceridade. Ele apenas pediu de volta tudo o que jogou fora. Se ela responderia? Bem, talvez não respondesse, talvez ela não o perdoasse, talvez, ao contrário, ela aceitasse e eles voltassem às boas, talvez sequer o bilhete chegasse ao seu destino final, enfim, talvez tantos “talvezes” e tantas alternativas, que ele desistiu de pensar e resolveu deixar ao acaso ou ao destino ou a nada mesmo. Não havia mais controle mas, ao menos, ele tentou.
E o que estava escrito no bilhete, afinal? Apenas uma frase. Uma frase simples. No papel todo amassado pela longa jornada da mesa de um bar vazio até aquela caixa de correspondências, havia apenas uma pequena e contundente frase: EU TE AMO!!
E, assim aconteceu naquela madrugada chuvosa.
E ele simplesmente não conseguia parar de chorar.
“Maybe we should just try
To tell ourselves a good lie
I didn’t mean to make you cry”
(I Love You || Billie Eilish)
Photo: n/d
a música é perfeita e uma das minhas favoritas – fui pega por ela e prontamente atravessada pelas palavras desse texto // como já é de costume, fui profundamente tocada aqui! ♡
Muito obrigado. Fico feliz 😀 obrigado. Essa canção arrebenta mesmo.