Rotina de morte

A perspectiva da mais um dia como ontem, como anteontem, como toda semana passada, todo o mês passado, o semestre, o ano, estava deixando-o maluco.

A rotina que tomou conta da sua vida agora estava cobrando o preço. Nem a compensação financeira compensava mais. Ainda que ganhasse por mês mais que um presidente de multinacional. Ainda que na volta para casa se consolasse com um copo de single malt 18 anos. Nem os caros relógios. Nem os carros esportivos. Nem as mais belas mulheres que ele podia contratar.

Ele era bom no que fazia. Aliás um dos melhores. Os clientes pagavam sem reclamar, sem questionar o preço. E recebiam o serviço impecável.

Dia após dia ele se aprimorava. Nunca parava de estudar. Novas ferramentas apareciam e ele, depois de aprender a usá-las com precisão, as incorporava ao ofício. Mas começava a sentir o peso da idade. E a rotina de morte, mais um dia como ontem, como anteontem, como toda semana passada, todo o mês passado, o semestre, o ano, estava deixando-o louco.

No início, aceitava qualquer negócio. Hoje se dava ao luxo de escolher. Mas a demanda crescente, deixava sua agenda sempre lotada.

A rotina que tomou conta da sua vida agora estava cobrando o preço. Nem a compensação financeira compensava mais. Ainda que ganhasse por mês mais que um jogador de futebol de elite. Ainda que na volta para casa se consolasse na frente de uma TV 8K de mais de 60 polegadas. Nem a casa na praia. Nem os finos ternos de alfaiate. Nem os melhores restaurantes. Nem a cobertura de frente para ao mar na zona sul.

Ele era o melhor no que fazia. Os clientes pagavam às vezes mais que o combinado, pelo serviço que fazia jus à fama dele.

Dia após dia ele se aprimorava. Estava sempre testando novos métodos, novas ferramentas, tudo em busca de mais precisão, eficiência para compensar o peso da idade que começava a sentir. E a rotina de morte, mais um dia como ontem, como anteontem, como toda semana passada, todo o mês passado, o semestre, o ano, estava deixando-o insano.

Nunca foi de aceitar qualquer negócio. Mas a demanda sempre crescente, deixava poucos espaços em sua agenda.

A rotina que tomou conta da sua vida agora estava cobrando o preço. Nem a compensação financeira compensava mais. Ainda que ganhasse por mês mais que um protagonista de novela. Ainda que na volta para casa se consolasse com uma adega lotada com os melhores vinhos franceses. Nem a primeira classe. Nem os sapatos italianos. Nem as melhores festas. As áreas vip.

Tinha a fama de ser o melhor no que fazia. E a ainda fazia jus a ela. Os serviços impecáveis eram sempre muito bem remunerados.

Mas a rotina de morte, mais um dia como ontem, como anteontem, como toda semana passada, todo o mês passado, o semestre, o ano, estava deixando-o pirado.
Foi quando teve a ideia de contratar a si mesmo. O preço era alto, mas ele ganhava bem, mais que um jogador de futebol, que um presidente de empresa, que um protagonista de novela.

E fez um trabalho impecável. Uma morte à altura de sua fama.

1 comentário

  1. Esse texto me pegou… não sei se pq justamente nessa (segunda-feira) meu pai recebeu a notícia que um grande amigo Alan (nome tbm do meu pai) sofreu infarto na segunda passada. E meu pai disse que ele passou lá pra falar com ele cedinho, como sempre fez durante tantos anos. Ele tinha 51 anos, e viveu justamente isso aí que você escreveu. Há poucos meses ele vinha dizendo para o meu pai que tava cansado, que ia mudar, e começar a viver de fato. // meu pai chorou e eu só vi meu pai chorar na morte de um dos irmãos.. e eu me perguntei: “meu Deus! Justo agora que ele ia começar a viver de fato!?”

    As vezes não dá tempo. Imagina, se as pessoas desse conta disso ! // que texto é preciso!

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