leia e ouça: scarlett johansson || boys don’t cry
– Olhando para o teto? Você está com medo de mim? – ela perguntou muito irritada, totalmente contrariada.
Ele continuou olhando para o teto azul petróleo da sala e ficou em silêncio, tentando enxergar alguma resposta na atmosfera repleta de neons, texturas, velas e cores daquela sala.
– Está? – ela insistiu.
Ele desviou o olhar do teto azul petróleo e observou a porta amarela da cozinha antes de responder, distante – Talvez.
Ela respirou fundo e disse – Talvez?
– Sim. Talvez.
– Nem você sabe o que sente? – ela arriscou.
– Não. Definitivamente eu sei porra nenhuma sobre nada. Esta é a maldita verdade.
Ela ficou em silêncio por um longo tempo e apenas concordou com a cabeça. Estendeu as mãos pequenas e, agora, trêmulas e pegou um cigarro. Mais um. Mais um naquela noite.
– Tudo é muito foda, sabe? – ele balbuciou, desviando o olhar da porta amarela da cozinha e encarando a parede lateral de cor marfim.
– Você é um tremendo babaca. Um moleque idiota – ela o interrompeu e disparou. Seca. Brava. Puta. Irritada.
Ele deixou de observar a parede lateral de cor marfim e resolveu encarar a cadeira de veludo bordô desgastado perto da janela. Não disse uma palavra. Nem uma porra de uma palavra.
Ela prosseguiu – Nossa, você é muito… nada. Cacete. Você sequer quer experimentar, tentar, enfim, sequer quer provar.
Ele soltou o ar. Estava tenso – Provar o que? Experimentar o que? Que tortura – ele disse, sem paciência, agora encarando a parede vermelha lateral da sala próxima à cadeira de veludo bordô desgastado.
Ela o olhou com fúria. Muita fúria e apenas pensou: O beijo, seu imbecil. O meu corpo. A minha alma. Tudo. Tudo o que você quiser e o que eu tanto quero te entregar. Seu idiota. Tudo isso que eu acabei de te falar. Tudo o que falei agora e o que sei que sentimos há anos. Mas, ela permaneceu em silêncio. Não respondeu. Nada disse. Em silêncio absoluto, sem nada, nada dizer, ela apenas olhou direto para ele, na esperança de fazer com que ele levantasse o rosto para ela observar, uma última vez, aqueles lindos olhos azuis dele. Olhos tão tristes. Repletos de angústias e vontades e desejos nunca expostos. E que jamais seriam. Jamais. Naquela noite, ela enfim compreendeu. Não pediu, mas ele próprio adivinhou aquele desejo e levantou o rosto e a olhou por um longo tempo. Quase um século. Quase uma eternidade. Quase o tempo que se conheciam. Anos.
E, como sempre, nada disseram um ao outro.
Apenas pensaram.
Apenas se olharam.
Profundamente.
Ele desistiu, suspirou, virou a cabeça e fechou os olhos. Desistiu. Deixou o teto para lá, a porta amarela da cozinha também, a cadeira de veludo bordô gasta e aquela menina linda sentada à sua frente, dona dos olhos mais verdes e maravilhosos que ele jamais havia visto na porra da sua vida inteira. Jamais, jamais aquele verde sairia da sua mente. Toda linda e sentada desajeitada e incomodada, no carpete colorido da sala – Acho melhor eu ir embora – disse, desanimado.
Ela ficou sentada no chão e apenas indicou a porta pintada de cor barbante com a ponta do seu cigarro que já estava quase no fim.
– Nos vemos depois? – ele perguntou, enquanto levantava.
Ela nada disse e desviou o olhar, enquanto os traços do seu rosto desapareciam debaixo da fumaça do cigarro que quase acabava.
– Então tá. Falamos dia desses aí, se rolar. Deixa assim. Hoje falamos coisas demais, eu suponho. Coisas demais. Que talvez nem deveriam ter sido ditas. Mas, enfim…
Ele levantou, pegou o seu casaco grafite, deixou o copo americano laranja vazio sobre a mesinha de canto e foi em direção à porta cor barbante.
Antes de sair, ele virou breve e olhou para ela sentada no carpete colorido da sala, fumando o finalzinho do seu cigarro e olhando através da janela.
Distante.
Linda.
Especial.
Agora uma garota cinza. Nada colorida.
E o que ele mais queria era apenas adivinhar o que ela pensava, mas não disse nada. Não ousou dizer nada. Em silêncio, apenas abriu a porta e foi embora. Sem olhar de novo para trás.
E assim que a porta fechou, no hall daquele prédio antigo, ele tentou segurar o choro ao perceber que havia apenas um medroso diante de um elevador que ele sequer tinha força para apertar o botão e chamar.
Sim, eu estou com medo porra. Muito, muito medo. Mas não de você. Sinto medo de mim, caralho. De mim – pensou, triste e já não se importando em segurar mais as lágrimas, enquanto o elevador que ele jamais chamou, demorava a chegar.
e, claro, jamais chegaria…
jamais…
Art By Ana Bidart
me cortou em pedacinhos esse! 😦
Ah… Não foi a intenção não rsrsrsrs (imagina, né?)