leia e ouça: el grande – like I do
Introspectiva. Definitivamente, ela era introspectiva. Muito. Sensível, ela simplesmente preferia ficar no canto dela.
Curtia permanecer no canto dela calada e atenta, apenas a observar as cenas explodindo ao seu redor. Confortável. Apenas confortável. Segura na sua insegurança. Segura na sua zona de conforto. Sempre buscou exposição zero dos seus medos, das suas paixões erradas, das suas lágrimas salgadas e do seu mundo imperfeito (ao menos imperfeito para ela). Exposição zero e pretendido conforto. Frágil conforto em torno de si. Sensível e tímida. Definitivamente, ela era sensível e tímida.
Muito.
– Oi, cheguei – ele disse com um sorriso ao se aproximar dela – Tudo bem?
Ela o observou sem expressão definida e assentiu com a cabeça.
Nada disse. Nada disse de primeira, como sempre.
– Sim, eu também estou contente em te ver – falou e continuou – Eu sei lá. Não sei se foi uma boa ideia termos vindo aqui hoje. A festa hoje aqui no Clube Varsóvia está meio parada e não sei, não estou sentindo as famosas good vibes de sempre – finalizou sorrindo.
– Idiota – ela respondeu.
Ele fez uma expressão cínica de falsa surpresa e disse: – Eu? Idiota? O que eu te disse ao telefone hoje à tarde, depois de conversarmos tanto ontem? Não sei se você está ok para ir à festa. Ele pode estar lá, etc. Então sugeri que comêssemos alguma coisa, bebêssemos o que quer que fosse, enfim, fizéssemos qualquer outra coisa e blablabla. No entanto, você, a “simpática”, a “positiva tóxica”, disse que queria vir e, ainda por cima, sozinha, sem esperar sequer minha carona. Veio e, quando eu a encontro, está aí. Como sempre apenas olhando. Apenas olhando com esses assustadores e deliciosos olhos verdes que eu tanto amo.
Ela deu de ombros e apenas disse – Até que está divertido. Sim, está boa a festa. Quer beber algo? – ela perguntou.
– Sim, queridíssima, quero um uísque. Nada de cerveja hoje.
Ela retrucou rápida e direta, sem olhar em direção a ele – Ótimo. Aproveita e pega o mesmo para mim. Estou com sede.
Ele apenas olhou para o alto e riu antes de ir buscar as bebidas para eles.
Ela? Ela permaneceu parada e atenta, apenas observando ele se perder entre as demais pessoas em busca das bebidas para eles. Ela permaneceu parada e atenta o observando sumir e, mesmo com o radar exato de todos os amigos/conhecidos que estavam por perto, ela sequer mexeu um músculo da sua linda face em outra direção que não fosse a dele sumindo entre as outras pessoas. Perdeu-se em pensamentos:
Se ao menos eu conseguisse expressar alguma coisa com o meu olhar – desejou – Porra, não ia adiantar nada mesmo. Nada. Eu queria tanto perder o medo e tentar. Mas não, eu não consigo caralho. Eu não vou conseguir falar nada para ele. O idiota vai voltar com as bebidas e não vou conseguir dizer que… – tentou continuar, mas foi interrompida ao perceber o copo cheio de destilado e gelo bem à sua frente e que lhe havia sido voluntariamente trazido por ele. Ela se conformou com a angústia e voltou ao tempo/espaço real daquela festa no Clube Varsóvia. Presença ausente. Tomou um gole breve antes de dizer – Sabe de uma coisa que eu pensei muito esta noite e precisava te dizer? Algo que eu preciso falar e que você talvez não saiba. Não tenha notado. Sei lá.
– Não acredito. Você? Você vai me revelar algo sobre você que eu ainda não sei? – ele perguntou enquanto buscava um cigarro no bolso do casaco.
Ela gelou e disse ríspida – Você é um imbecil mesmo, não sei a razão de perder meu tempo.
– Não, por favor, diga. Vou gostar de ouvir, afinal não faço outra coisa a não ser te ouvir há… quanto tempo mesmo? – ele perguntou irônico.
– Vá se foder – ela respondeu irritada.
Ele sorriu divertindo-se muito com ela e continuou – Não, pode dizer. Deve ser alguma novidade. A mocinha que só veste preto para ficar invisível e conter o ímpeto e o brilho de querer usar outras cores e sempre tentar passar despercebida para o mundo vai confessar algo. Inédita esta postura – zombou – A moça da zona de conforto. A própria insegurança em segurança.
Ela o matou com o olhar e ficou quieta.
– Posso adivinhar? Posso?
– Tente a sua sorte – ela respondeu, agora com esperança nos olhos verdes.
– Então, você queria me dizer que veio aqui apenas para reencontrá-lo. Apenas para reencontrar a porra do Edu na tentativa de consertar a bobagem que você acha que fez aquele dia. Eu acho que não fez nada, mas fazer o quê se você insiste em achar. E o pior é que ainda que encontrasse o Edu você ia ficar quieta, apenas porque não tem coragem de mostrar o que verdadeiramente sente. Tem medo. E você, supostamente acha que eu não sei que você quer vencer esta porra deste medo, desta insegurança, e mesmo me conhecendo há séculos, você demora uma vida para se abrir comigo – concluiu.
Ela suspirou e acendeu um cigarro em silêncio.
– Acertei? Acertei muito, não é mesmo? – ele perguntou.
Ela suspirou.
Suspirou e disse – Acho que ninguém me conhece, sabia? Apesar de você saber demais sobre mim, a verdade é que não raras vezes tenho a impressão que ninguém me conhece de verdade. Ninguém – concluiu virando mais um gole e partindo sozinha para a pista de dança repleta do Clube Varsóvia antes que as lágrimas que cresciam no canto dos seus olhos verdes fossem perceptíveis.
Sozinha na pista de dança e agora desconfortável.
Desconfortável na sua própria insegurança.
Desconfortável na sua própria insegurança e querendo apenas poder gritar.
Apenas poder gritar o que ninguém, ninguém além dela, sabia.
Ninguém.
Photo By Natassia Brückin
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