Para fugir de spoilers sobre o novo Pinóquio da Netflix é melhor parar por aqui. Se bem que a maioria das pessoas conhece bem a história do boneco de pau que sonha em ser gente.
Eu por exemplo, já havia assistido a clássica animação da Disney, a versão em anime que passou na TVS nos anos 80 e li o livro de Carlo Collodi.
Porém, em nenhuma das versões eu havia notado tantas relações entre o clássico Italiano e o texto bíblico. A não ser é claro, a imensa semelhança da sequência da baleia (ou tubarão no original) e o texto do livro de Jonas.
No Pinóquio da Netflix, Guilhermo Del Toro traz a Paixão de Cristo para o drama italiano. No filme, Gepeto não usa suas habilidades para fazer apenas um boneco de pau. Ele faz dois. Constrói Pinóquio, mas também esculpe uma grande imagem de Jesus, colocada no altar da igreja local e a partir daí, faz uma série de paralelos entre as histórias de Pinóquio e as do novo testamento.
Pinóquio e Jesus são filhos de carpinteiros e ambos são concebidos sem sexo. No filme da Netflix, a entidade espiritual que anuncia a vida para o boneco é um anjo, assim como o anjo que anuncia para Maria a vinda do Messias.
Mais pra frente, Pinóquio é seduzido para largar a escola e acompanhar um teatro itinerante, nessa cena, o diretor usa um fantoche com a imagem do diabo, trazendo novamente o paralelo com a Bíblia.
Por outro lado, Guilhermo profana tanto o texto religioso como o livro original de Collodi ao mudar a mensagem central da história. No livro, Pinóquio precisa aprender bons comportamentos para evoluir e se tornar humano, mensagem que é repetida no filme original da Disney: Obedeça seus pais, vá à escola, diga sempre verdade.
Já na versão da Netflix, Pinóquio é incentivado a assumir a própria personalidade, onde as vezes, é melhor ser boneco que menino. O tom é nietzschiano “torna-te quem tu és”. Por mais de uma vez ele precisa quebrar as regras, inclusive mentindo propositalmente. Em uma das melhores cenas do filme, seu amigo Candlewick se rebela contra o pai fascista. Justamente o oposto do que ensinavam as versões originais.
Aliás, outra virtude de Del Toro foi trazer a história para a época do fascismo italiano, fazendo uma referência ao “Labirinto do Fauno”, obra-prima do diretor.
O novo Pinóquio é um filme a ser lembrado. Ao usar o livro de Collodi como base para discussões ainda mais profundas do que as propostas no texto centenário, tudo isso num apuro técnico e visual de tirar o fôlego.
Vale ver o e rever este Pinóquio e se alguém não gostar provavelmente terá o nariz alongado.
P.S. Eu assisti o filme em italiano e sugiro que você faça o mesmo.