Bolsomiriam

Miriam saiu do culto emocionada. Mal sentia o peso da bojuda bíblia na bolsa, muito menos se incomodava com o aperto entre outros fieis no ônibus. As palavras do pastor ecoavam em sua cabeça – “Cada um de nós tem uma missão de Deus! O Senhor nos dá uma tarefa única e um talento especial para cumpri-la”.

Miriam nunca havia pensado ser importante. Fora sempre uma coadjuvante em sua própria vida. Era a faxineira do salão de beleza. Ajudou as 3 irmãs a preparar seus casamentos, mas ela mesma jamais vivera um grande amor. Sempre costurou lindos vestidos de festa, mas suas roupas eram velhas e feias.

Na saída do Culto ainda abordou o pastor.

_ O senhor acha mesmo que Deus me escolheu para uma missão importante.

_ Tenho certeza. Se ele ainda não revelou a missão para você, em breve vai revelar.

Miriam sonhava em receber a missão de Deus, mas a única coisa que recebia eram Zaps sobre o Bolsonaro. Diversas fotomontagens do político. Em algumas ele estava vestido de super-herói, em outras, estava ao lado de Jesus e com uma aparência celestial. Numa terceira o texto era inspirador.

_ Deus me deu a missão de livrar o Brasil do Satanás do comunismo. Ao seu lado vencerei.

Miriam percebeu a importância daquele homem. Ele iria enfrentar o Satanás do Comunismo! Isso sim era uma missão importante. O Satanás do comunismo. Miriam começou a pensar que ela poderia também ter uma missão: ajudar o Bolsonaro na luta quase impossível que ele travaria contra o mal. “Esse homem deve ser uma espécie de santo, nem a facada matou ele”.

No mesmo dia ela organizou as dezenas de memes que havia recebido com mensagens políticas. Apagou as bobagens em homenagens a outros políticos e estudou o que podia sobre o Capitão e sua luta messiânica.

A primeira mensagem ela mandou para o pastor. Era uma imagem de Bolsonaro pilotando um tanque e atropelando alguns negros vestidos como assaltantes.  “Vamos metralhar os vagabundos”, ela ainda complementou com um toque pessoal: “Cumprindo a missão!”

O pastor respondeu com um emoji de piscadinha que Miriam imediatamente interpretou como um incentivo. O pastor apoiava sua missão. Imediatamente começou a soltar dezenas de mensagens para amigos e parentes. A maioria começava com “Isso a Globo não mostra”. Quanto mais mensagens mandava, mais recebida de volta, num nítido sinal da providência divina.

A partir deste dia, Miriam não era mais a faxineira quase invisível do Salão, não era mais a moça do bairro que costurava vestidos a preços baixos. Miriam era uma missionária do Senhor, era uma soldada que empunhava o celular tal qual uma espada, distribuindo a mensagem divina. Eis uma mulher com uma missão! O Satanás do comunismo que se cuide…

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