Tenho 44 anos e nunca peguei ninguém

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Para contar essa verdade indiscreta preciso voltar no tempo, viajar a meados dos anos 80 quando passei da puberdade para a adolescência e o verbo “ficar” ganhava um novo significado: Beijar alguém sem compromisso, apenas durante uma noite ou até mesmo poucos minutos.

Antes disso o ato já existia, mas não me lembro se havia um verbo correto para chamá-lo, afinal antes disso, eu ainda não me preocupava em “ficar”, estava mais interessado em Kichutes ou Playmobils.

Porém, o tempo corre no sentido do amadurecimento. O verbo e minha adolescência chegaram juntos ao mundo e com muita dificuldade (eu era tímido a beça) aprendi o que era “ficar”.

Façamos um salto.

2011, ano em que me divorciei. Na ausência de amigos solteiros mais próximos recorri a colegas sem muita afinidade, alguns deles mais jovens, como companheiros de noitada e então descobri que eles não “ficam” mais. Eles pegam. E as mulheres pegam também.

Essa foi a grande mudança semântica ocorrida no Brasil durante os 13 anos que me mantive num único relacionamento. As pessoas deixaram de ficar e começaram a pegar.

A conversa mais comum entre solteiros é contagem do número de “pegadas” num fim de semana. Um mostra o Face para o outro e exibe seus troféus.

Mesmo a música sertaneja que desde sempre fora um templo do romantismo havia dado lugar ao sertanejo universitário e suas odes à pegação: “Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego…”

Só que a mudança não foi apenas semântica. Nos tempos antigos, ao “ficar”, dois indivíduos tratavam-se como seres humanos que em comum acordo beijavam-se por um tempo determinado, era uma troca. Por mais fugaz e vazia que pudesse ser, era uma troca.

O verbo pegar, em compensação, não pressupõe a existência de duas pessoas mas de apenas um indivíduo que é o agente (aquele que pega) e um objeto (que é pego). Quando “ficar” virou “pegar”, o outro já não importava mais. Era um produto numa prateleira. Algo feito para ser usado e jogado fora.

Isso ficava mais claro a medida em que eu me aprofundava no mundo dos solteiros contemporâneos: contabilidade de pegadas, táticas para administrar várias “peguetes” ao mesmo tempo – “É fácil, é só ligar de vez em quando”.

De fato, é fácil administrar objetos, você não precisa ligar no dia seguinte, você não precisa demonstrar qualquer carinho, enfim, você não precisa se solidarizar com o sentimento alheio e nem se preocupar com qualquer dor que possa estar causando. Numa sociedade egoísta tudo existe apenas para a satisfação dos nossos desejos. Para essa satisfação conquistamos uma roupa bacana, um carro equipado ou um (a) parceiro (a) numa noite de sexo.

A maior prova disso é o Tinder, o aplicativo de encontros mais popular que existe. No Tinder, há pouquíssimo espaço para falar de gostos pessoais ou expectativas. Isso não importa. As pessoas se escolhem tão somente pelas fotos, tal qual compramos um vinho cujo rótulo nos encantou.

Revendo a minha trajetória desde os tempos de adolescência, quando dançávamos com vassouras ao som de Lionel Ritchie, até hoje, quando sair à noite significa comer uma pizza, tenho orgulho em afirmar que já beijei, fiquei, namorei, tomei foras, casei, separei voltei a namorar, voltei a tomar foras, mas nesses quarenta e quatro anos nunca peguei alguém. E podem ter certeza, isso jamais acontecerá.

* Na foto: Eu, convencido que relacionamentos vazios não valem a pena

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