Agora, lendo o título da crônica, me sinto um tanto culpado. Me sinto uma pessoa má. Mas tenho alguns atenuantes, prefiro contar a minha história e deixar que o leitor me julgue.
Isso aconteceu há umas duas semanas. Eram pouco mais de sete da noite e já estava totalmente escuro. Parei em um semáforo de uma importante e movimentada rua de Santo André. É uma rua de três faixas eu estava na do meio e era o primeiro carro antes da faixa de pedestres.
Aliás, preciso contar que desde que sofri um sequestro relâmpago há uns vinte anos, eu evito parar próximo a faixa ou ao carro da frente. Eu sempre paro de forma em que consiga visualizar uma hipotética rota de fuga. Claro que nunca pensei que efetivamente ia precisar usá-la.
Pois bem, voltando ao incidente, eu acabava de parar meu carro na faixa do meio, longe da faixa de pedestres e sem ninguém a minha frente, quando surge um daqueles famosos malabaristas de farol e suas inseparáveis bolinhas. Chamou-me a atenção o fato dele ter apenas um braço e fiquei curioso em saber como executaria a peripécia. Mas não tive tempo para isso. Um homem se aproximou rapidamente do meu carro, gesticulando na minha direção. Assustado, engatei primeira e saí cantando pneu. Quase atropelei o jovem malabarista (que se esquivou) e cruzei o sinal arriscando bater em quem viesse.
A história durou poucos segundos. Não tive tempo de entender qual a intenção do homem que me assustou. Pensando agora com mais calma, não posso nem ter certeza de que se tratava de um assalto. Mas eu deveria ficar esperar para saber?
Por um lado fiquei orgulhoso do meu reflexo e destreza, por outro, envergonhado em ter agido como um monstro em relação ao adolescente.
Depois de me acalmar pensei no nosso pobre e amedrontado país, que está se acostumando a ver mais de 50.000 cidadãos serem assassinados todos os anos. Pensei em nossas ruas repletas de muros com arame farpado, cada casa transformada em prisão. Pensei nas pessoas simples que são assaltadas todos os dias os pontos de ônibus da periferia e pensei na minha infância, livre nas ruas de São Bernardo.
Pensei no medo nos tornando cada vez mais egoístas.
Queria ter uma sugestão de solução para oferecer e tornar este texto um pouco mais otimista, mas não tenho. Apenas torço para não viver situações como esta de novo.
querido Lucio, não sei o que te dizer. nunca sofri sequestro relâmpago e não tenho medo no farol. na verdade, agora não fico no farol porque não tenho mais carro. fiquei curiosa. qual seria o drama do cara? o que o malabarista maneta falou de você?
Por coincidência passei hoje por lá e não havia ninguém. Será que eles realmente existem? Quanto ao carro, uso pouca vezes por semana. No ônibus ou no metrô nunca sinto medo.